quinta-feira, 6 de novembro de 2025

Desacreditar para conquistar.


A política hoje é a de desacreditar qualquer pessoa ou instituição a fim de dar vazão a sanha do poder pelo poder. Vivemos épocas difíceis onde a internet virou terra sem lei, onde se inventam diversos fatos não comprovados de forma a dar crédito às decisões erradas que são adotadas.

A mentira deu lugar a verdade, a escuridão tomou o lugar da luz. As pessoas em prol de suas ideias já não aceitam analisar os fatos a fim de descobrir a verdade por traz de tantas mentiras que são divulgadas. Muitas preferem continuar com as mentiras a fim de justificar o injustificável, ou seja, a falta de medidas efetivas para resolução dos problemas sociais que afligem a todos.

O que mais incomoda é saber que estas pessoas não estão sendo enganadas, mas sim deliberadamente se deixam manipular por outras que só visam o bem-estar de si próprios, deixando a grande maioria à mingua das medidas necessárias que devem ser adotadas para alterar suas existências.

A culpa nunca é delas mesmas, sempre tem alguém ou algo para se eximir de suas falhas nas decisões que deviam estar sendo tomadas para minimizar os grandes problemas que nos afligem.

As tentativas de resolução dos problemas nunca atacam as verdadeiras causas, sempre são buscadas as superficialidades dos fatos, contanto que o cerne da questão seja escondido.

A ausência de políticas públicas para debelar os problemas estruturais que temos, são deixadas de lado, pois o importante é desviar os recursos para encher os bolsos de apoiadores para causas que são perdidas.

Uma hora a casa cai, e não dá mais para arrumar desculpas pelas próprias incompetências, pois quando se instala um caos social, não há como resolver sem uma ruptura institucional,  já que não tem diálogo que dê jeito diante de tantos problemas.

A culpa, na maioria das vezes, sempre será lançada sobre  aqueles que resolvem por conta própria a não mais aceitar o estado de coisas pelos quais foram obrigados a se calar.

Esse tipo de política é antropofágica, pois uma hora a porca torce o rabo, como dizem os antigos, já que não se tem competência para enxergar a própria destruição. E quando isso acontecer, resta o choro e lamentações, pois não há perdão para aqueles que conduzem milhões de pessoas ao desespero de ter que mendigar sempre as suas sobrevivências.

O Crepúsculo da Alma

I

É assim que a mente, um penhasco desnudo,

Suporta o assalto das memórias más;

E cada fantasma que no peito acudo

Mais vivo brilha sob o olhar da paz.

A paz? Mentira ousada e fraca trama

Que a sociedade em seu peito bordou;

Minha alma é a tempestade que não doma,

O mar que consigo mesmo se agitou.


II

Caminhei entre os homens, e seu riso

Soou qual bronze falso aos meus ouvidos;

Seu amor, um breve e desbotado lírio,

Seu juízo, um laço de sentidos vazios.

Prefiro a solidão do vento uivante,

O diálogo com o abismo e a amplidão,

Do que a frágil e hipócrita constante

Que rege o baile da vã ilusão.


III

E tu, que um dia destes à minha vida

O brilho que há no olhar de um furacão,

Agora és sombra, pálida e esquecida,

Manchando o livro de minha solidão.

Teu juramento, o eco de uma sala,

Dissipou-se no ar, leve e traidor;

Minha paixão, porém, não se iguala

Às paixões que morrem com favor.


IV

Assim sigo, marcado por um destino

Que não ouso e nem posso compreender;

Um ser incompleto, um projeto divino

Que os deuses, num mau humor, quiseram fazer.

Minha herança é o ódio, a dor, a insônia,

E o ver, na face pálida da Lua,

Não a esperança, mas a mônada fria

De uma verdade que ninguém subjuga.


V

Então venham! Tormentas da noite escura,

Rochas onde o urzal sequer se agarra;

São vossas as feições da minha amargura,

É convosco que minh'alma se declara.

Pois na ruína do que o mundo inveja

—O palácio de um coração fendido —

Encontro, enfim, a liberdade alheia,

E o meu trono, no trono do esquecido.

domingo, 2 de novembro de 2025

A Reforma Protestante e a Necessidade de uma Reforma Contínua

O Princípio da Reforma Perpétua

A Reforma Protestante do século XVI constitui um marco fundamental na história do cristianismo, ao recuperar princípios teológicos essenciais que haviam sido obscurecidos pela tradição eclesiástica. Contudo, os reformadores históricos nunca pretenderam que o movimento protestante se cristalizasse em novas tradições imutáveis. Pelo contrário, cunharam o princípio "Ecclesia reformata, semper reformanda" - "Igreja reformada, sempre se reformando" . Este artigo examina a necessidade contemporânea de uma "reforma da reforma", haja vista que muitas denominações protestantes contemporâneas têm negligenciado a centralidade das Escrituras, incorporando práticas antibíblicas que demandam correção à luz dos mesmos princípios que orientaram os reformadores.


1. Os Pilares da Reforma e Seu Contexto Histórico


1.1. Os Princípios Fundamentais


A Reforma Protestante estabeleceu cinco pilares teológicos fundamentais, conhecidos como os "Cinco Solas", que resumiam suas divergências doutrinárias com a Igreja Católica Romana :


· Sola Scriptura: A Bíblia como única autoridade infalível em matters de fé e prática

· Sola Fide: A justificação somente pela fé, não por obras

· Sola Gratia: A salvação como resultado exclusivo da graça divina

· Solus Christus: Cristo como único mediador entre Deus e os homens

· Soli Deo Gloria: A glória pertence somente a Deus


1.2. O Contexto Histórico e a Busca por Autenticidade


A Reforma surgiu num período de significativas transformações sociais, políticas e culturais na Europa do século XVI, o Renascimento . O humanismo renascentista, com sua ênfase no retorno às fontes originais, incentivou um novo exame das Escrituras em suas línguas originais, hebraico e grego . Reformadores como Lutero e Calvino, influenciados por essa abordagem, defenderam o direito de cada crente ter acesso direto à Palavra de Deus, sem a mediação exclusiva do sacerdócio . A invenção da imprensa permitiu que essas ideias se espalhassem rapidamente, democratizando o acesso às Escrituras e fomentando debates sobre a verdadeira natureza da fé e o papel da Igreja .


2. Desvios Contemporâneos das Escrituras


2.1. O Legalismo e a Imposição de Cargas

Muitas comunidades evangélicas contemporâneas têm imposto restrições legalistas como normas de santidade em áreas onde as Escrituras não legislaram explicitamente . Entre essas restrições incluem-se:

· Regulamentação de corte de cabelo, vestimenta, uso de joias e maquilagem

· Proibições quanto a tipos específicos de música, entretenimento e celebração de datas

· Exigência de dízimo obrigatório, em contradição com o princípio da contribuição voluntária 

Este legalismo representa um retorno ao jugo do qual a Reforma nos libertou, ao criar distinções artificialmente entre "sagrado" e "profano" em áreas que a Escritura deixa à liberdade cristã.


2.2. A Prosperidade e a Materialização da Fé

Uma das distorções mais significativas no protestantismo contemporâneo é a propagação do "evangelho da prosperidade", que começou na década de 1980 e continua vigorosamente . Esta doutrina:

· Distorce a mensagem bíblica ao prometer prosperidade material como garantia divina

· Utiliza técnicas de manipulação emocional para "esquilar as ovejas", como oferecer "artefatos milagrosos" em troca de contribuições financeiras

· Apresenta distorções de passagens bíblicas, especialmente de Malaquias 3:9-10, para justificar a exigência de dízimos obrigatórios 


2.3. A Confusão na Esfera Espiritual

Muitas comunidades evangélicas têm manifestado sérios desvios em sua compreensão do mundo espiritual, incluindo:

· Práticas questionáveis na "guerra espiritual": ensinam que se deve perseguir, amarrar ou dar ordens a Satanás, quando as Escrituras nos ordenam simplesmente resisti-lo 

· Demonização excessiva: atribuem a demônios responsabilidade por vícios e obras da carne que a Bíblia identifica como fruto da natureza pecaminosa 

· Maldições hereditárias: promovem a doutrina antibíblica de maldições geracionais que precisariam ser quebradas, negligenciando a suficiência da obra de Cristo 

2.4. Distorções na Compreensão da Cura


No âmbito da saúde e cura, proliferam ensinamentos que:

· Atribuem toda doença diretamente a Satanás, ignorando as dimensões naturais e fisiológicas

· Desencorajam ou proíbem explicitamente a consulta a médicos

· Culpabilizam os doentes por suposta "falta de fé" ou "pecado secreto" quando a cura não ocorre 


2.5. O Movimento Carismático e Suas Inovações

O movimento carismático, em suas diversas expressões, tem introduzido significativos desvios doutrinários e práticos:

· Atribuição ao Espírito Santo de manifestações não baseadas nas Escrituras: Muitas das práticas carismáticas contemporâneas carecem de fundamentação bíblica, sendo antes produto de experiências emocionais e manifestações sensacionalistas 

· Falsas profecias e revelações: A proliferação de profetas não autorizados que proclamam mensagens em nome de Deus sem autorização divina 

· Misticismo prático: Técnicas como "sanidade interior" que combinam psicologia freudiana com visualização de origem ocultista, negando a suficiência de Cristo e das Escrituras 


3. O Princípio Corretivo: Volta às Escrituras

3.1. Reafirmando a Sola Scriptura

O antídoto para os desvios contemporâneos é o mesmo que fundamentou a Reforma do século XVI: o retorno incondicional à autoridade suprema das Escrituras. É necessário:

· Reafirmar o princípio de que a Bíblia é suficiente para toda a vida e prática cristã

· Rejeitar doutrinas baseadas em experiências extracrípturas ou supostas novas revelações

· Exercer o discernimento espiritual mediante o estudo cuidadoso da Palavra


3.2. Reavivando o Sacerdócio Universal dos Crentes

A recuperação do sacerdócio universal de todos os crentes  é essencial para enfrentar os desvios atuais. Este princípio:

· Garante a todo crente acesso direto a Deus mediante Cristo, sem necessidade de mediadores humanos

· Outorga à comunidade cristã a responsabilidade de examinar as Escrituras e avaliar criticamente os ensinamentos

· Impede a concentração de poder espiritual em lideranças que frequentemente abusam de sua autoridade


3.3. Restaurando a Centralidade da Pregação Expositiva

Os reformadores restauraram a pregação expositiva como centro do culto cristão . Hoje, é urgente:


· Recuperar a exposição bíblica sistemática em contraposição a mensagens temáticas desconexas

· Valorizar o conteúdo doutrinário sólido frente ao entretenimento emocional

· Priorizar a profundidade teológica em detrimento de superficialidade pragmática


4. Conclusão: A Reforma como Processo Contínuo

A Reforma Protestante não foi um evento concluído no século XVI, mas um processo contínuo de retorno às Escrituras e purificação da Igreja. Os reformadores cometeram erros - como a identificação não crítica com o governo, a falta de amor nas disputas doutrinárias e a aceitação da violência  - que também exigem correção. A tarefa que temos pela frente é audaciosa: aplicar os princípios da Reforma à própria Reforma, corrigindo os desvios que surgiram em nossas tradições protestantes. Isto requer coragem para confrontar equívocos doutrinários, humildade para reconhecer onde nos afastamos das Escrituras e firmeza para restabelecer a supremacia de Cristo e de Sua Palavra sobre toda inovação humana. Que Deus conceda à sua Igreja a graça de ser verdadeiramente reformada e sempre se reformando segundo a Sua Santa Vontade.

"Ao único Deus, Salvador nosso, seja glória e majestade, domínio e poder, antes de todos os séculos, e agora, e para todo o sempre. Amém." (Judas 1:25)

Chacina no Morro do Alemão: Uma Análise Crítica da Maior Operação Policial da História do Rio

 

Resumo: Uma megaoperação policial nos complexos do Alemão e da Penha, no Rio de Janeiro, resultou na morte de 121 pessoas, tornando-se o episódio de maior letalidade da história policial do estado. Este artigo analisa criticamente as contradições, os possíveis excessos e as graves consequências humanitárias de uma ação que foi classificada por especialistas como uma "chacina".

Introdução: O Dia do Terror

· No dia 28 de outubro de 2025, uma megaoperação policial batizada de "Operação Contenção" mobilizou 2.500 agentes das polícias Civil e Militar nos complexos do Alemão e da Penha, na Zona Norte do Rio de Janeiro .

· O saldo oficial foi de 121 mortos - incluindo 4 policiais - e 113 presos, superando em mais do que o dobro o recorde anterior da favela do Jacarezinho (28 mortos em 2021) e tornando-se a ação policial mais letal da história do estado do Rio .

· O objetivo declarado era cumprir mandados de prisão contra integrantes do Comando Vermelho (CV), mas o resultado efetivo gerou uma das maiores controvérsias sobre o uso da força pelo Estado na história recente do país.


Metodologia e Limitações

· Esta análise baseia-se em dados oficiais, reportagens jornalísticas, declarações de autoridades e relatos de moradores e especialistas.

· É importante salientar a ausência crucial de imagens das câmeras corporais dos policiais, cujo uso completo não foi devidamente comprovado pelas autoridades, conforme solicitado pelo MPF e pela Defensoria Pública da União .

· A análise dos dados busca as contradições das versões oficiais com outros relatos e evidenciar contradições nos fatos apresentados.


Análise dos Fatos e Contradições

A Dinâmica da Operação e a Estratégia do "Muro do Bope"

· A operação foi planejada durante 60 dias e utilizou uma estratégia conhecida como "Muro do Bope", que consistia em empurrar os suspeitos em direção à área de mata fechada da Serra da Misericórdia .

· Segundo o governo estadual, essa tática teria como objetivo proteger a população civil, concentrando o confronto em uma área não edificada .

· No entanto, especialistas questionam a eficácia e o planejamento dessa estratégia. A professora Jacqueline Muniz, do Departamento de Segurança Pública da UFF, classificou a operação como uma "lambança político-operacional" e destacou que, para mobilizar 2.500 policiais, foi necessário retirar o policiamento de milhões de pessoas na região metropolitana, criando um vazio de segurança em outras áreas .

O Drama dos Corpos: Abandono pelo Estado e Ação dos Moradores

· Um dos episódios mais chocantes ocorreu quando moradores do Complexo da Penha retiraram pelo menos 55 corpos de uma área de mata e os levaram para a Praça São Lucas .

· A polícia alegou que "não sabia da existência" desses corpos, justificando que "quando acontece confronto em uma área de mata, muitos baleados acabam adentrando ainda mais, buscando ajuda, e a gente não consegue atender essa demanda" .

· Crianças e adolescentes participaram dos resgates, conforme mostram imagens que circularam nas redes sociais, onde aparecem com luvas, em cima de picapes, ajudando a transportar os mortos .

· A fundadora do Instituto Fogo Cruzado, Cecília Oliveira, descreveu essas cenas como um "retrato brutal do colapso do Estado" no Rio, afirmando que "quando jovens assumem este papel, fica evidente que o Estado não apenas se ausentou, mas transferiu às vítimas a responsabilidade pela própria sobrevivência" .

A Investigação Contra as Vítimas: A Inversão de Papéis

· Em vez de investigar sua própria conduta, a Polícia Civil abriu inquérito para apurar a retirada dos corpos da mata pelos moradores, acusando-os de "fraude processual" .

· O secretário da Polícia Civil, Felipe Curi, questionou a forma como os corpos foram apresentados, sugerindo que houve manipulação: "Eles estavam na mata, nós temos imagens deles todos paramentados, com roupas camufladas, com colete balístico, portando essas armas de guerra. Aí apareceram vários deles só de cuecas ou só de shorts, descalços, sem nada. Ou seja, é um milagre que se operou" .

· Essa postura foi criticada por especialistas. O coronel José Vicente da Silva Filho, ex-secretário nacional de Segurança Pública, avaliou que a retirada dos mortos pelos moradores representa um "enorme problema embaraçoso para o governo do Rio de Janeiro porque é impossível que a polícia não soubesse que havia uma quantidade imensa de corpos ali na mata" .

Quem Eram os Mortos? Análise do Perfil das Vítimas

· Dos 117 civis mortos, o governo divulgou os nomes de 99 .

· Dados oficiais revelam que pelo menos 78 tinham "histórico criminal", 42 contavam com mandado de prisão pendente de outros casos, e 30 não tinham passagem pela polícia .

· Um dado crucial: nenhum dos mortos constava na denúncia do Ministério Público do Rio de Janeiro que fez parte do processo que baseou a operação. A denúncia continha os nomes de 69 réus, com mandados de prisão preventiva para 48 pessoas, e nenhuma delas estava entre os mortos .

· Pelo menos 39 mortos eram de outros estados, com destaque para Pará (18), Amazonas (7), Bahia (6), Ceará (4) e Goiás (4), indicando uma possível presença de reforços externos ao Comando Vermelho .

A Reação das Instituições e da Sociedade Civil

· O Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública da União (DPU) pediram explicações ao governador do Rio sobre a operação, questionando sua alta letalidade e se não havia "meio menos gravoso" de atingir seus objetivos .

· O MPF solicitou ao IML acesso em até 48 horas a todos os dados da perícia dos corpos, com exigências específicas sobre descrição de lesões, identificação de projéteis e exames radiográficos .

· Na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), a presidente da Comissão de Direitos Humanos, Dani Monteiro (Psol), denunciou a lentidão na liberação dos corpos: "A liberação dos corpos é morosa. Os corpos já estão fedendo. Não há geladeiras suficientes" .

· O presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, Reimon (PT), foi mais contundente: "O governador é um assassino. Essa é a pior chacina do Brasil, superando o que aconteceu no Carandiru" .

Discussão: Entre a "Megaoperação" e a "Chacina"

Disputa Terminológica e Seus Significados

·  uma intensa disputa linguística em torno da caracterização dos eventos. Enquanto o governo e as autoridades estaduais se referem ao ocorrido como "megaoperação", movimentos de direitos humanos, especialistas e parcela da mídia classificam o evento como "chacina" .

· Gabriel Nascimento, linguista da Universidade Federal do Sul da Bahia, analisa que "o termo 'operação' é um nome vulgar para designar o exercício do poder soberano entre nós, aquele que decide quem pode morrer e quem pode viver". Já a palavra "chacina" teria vindo de um termo do latim vulgar para carne seca, o que parece "até piada, mas não é. O que vimos no Rio de Janeiro foi pura exploração de carne fresca de gente que foi executada" .

· Essa disputa semântica não é mero academicismo. Como explica Nascimento, "as escolhas linguísticas que os sujeitos fazem de suas palavras geram efeitos de sentido que dão valor simbólico a um fenômeno" .


 Eficácia Questionável da Operação

· Especialistas em segurança pública questionam a eficácia da operação. Para o Instituto Fogo Cruzado, "combater o crime organizado exige outra lógica. É preciso atacar fluxos financeiros, investigar lavagem de dinheiro, fortalecer corregedorias independentes e combater a corrupção dentro do Estado. Tudo que o Rio de Janeiro não faz há décadas" .

· O professor José Cláudio Souza Alves, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), foi mais contundente: "Isso tudo que vocês estão vendo aí hoje, arrebentando no Rio de Janeiro todo, é apenas uma imensa e gigantesca cortina de fumaça" .

· A operação cumpriu apenas 20 dos "mais de cem" mandados de prisão expedidos. Os outros 93 detidos foram presos em flagrante . O principal alvo, Edgar Alves de Andrade, o "Doca", apontado como integrante da cúpula do Comando Vermelho, conseguiu escapar do cerco policial .

O Contexto de Expansão do Crime Organizado

· A operação ocorreu em um contexto específico de expansão territorial do Comando Vermelho. Segundo pesquisa divulgada em 2024 pelo Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da UFF e pelo Instituto Fogo Cruzado, o CV foi a única facção criminosa a expandir seu controle territorial de 2022 para 2023, no Grande Rio, com aumento de 8,4% .

· Com esse crescimento, a organização ultrapassou as milícias e passou a responder por 51,9% das áreas controladas por criminosos na região .

· Este contexto explica a justificativa oficial para a operação, mas não necessariamente justifica os métodos utilizados e sua altíssima letalidade.

Conclusão: O Preço da "Guerra" e a Banalização da Vida

· A megaoperação nos complexos do Alemão e da Penha representa um marco trágico na história da segurança pública do Rio de Janeiro e do Brasil. Com 121 mortos, superou o massacre do Carandiru em número de vítimas e expôs a crueza de uma política de segurança que privilegia o confronto armado em detrimento de estratégias inteligentes e sustentáveis.

· As contradições na narrativa oficial - o abandono dos corpos, a investigação contra moradores, a falta de transparência com as câmeras, o perfil das vítimas que não correspondiam aos alvos originais - apontam para graves violações de direitos humanos e possíveis execuções sumárias.

· A naturalização desse nível de violência por parte do Estado, com a justificativa de combate ao crime organizado, consolida o que o filósofo Achille Mbembe chamou de "necropolítica" - a prática pelo qual Estados modernos decidem quem deve viver e quem deve morrer .

· Enquanto o governo comemora a apreensão de armas e a morte de "criminosos", crianças carregam corpos em picapes, mães choram seus filhos não identificados no IML e uma geração inteira cresce traumatizada pela violência de Estado. O verdadeiro custo dessa operação não pode ser medido apenas em números, mas na degradação da democracia e na banalização da vida humana na periferia.


"Nosso papel é não naturalizar a barbárie. Não foi só uma megaoperação, mas uma chacina. Se há tráfico e organizações criminosas, isso é por ausência do Estado." - Dani Monteiro, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Alerj .

Desacreditar para conquistar.

A política hoje é a de desacreditar qualquer pessoa ou instituição a fim de dar vazão a sanha do poder pelo poder. Vivemos épocas difíceis...