I
É assim que a mente, um penhasco desnudo,
Suporta o assalto das memórias más;
E cada fantasma que no peito acudo
Mais vivo brilha sob o olhar da paz.
A paz? Mentira ousada e fraca trama
Que a sociedade em seu peito bordou;
Minha alma é a tempestade que não doma,
O mar que consigo mesmo se agitou.
II
Caminhei entre os homens, e seu riso
Soou qual bronze falso aos meus ouvidos;
Seu amor, um breve e desbotado lírio,
Seu juízo, um laço de sentidos vazios.
Prefiro a solidão do vento uivante,
O diálogo com o abismo e a amplidão,
Do que a frágil e hipócrita constante
Que rege o baile da vã ilusão.
III
E tu, que um dia destes à minha vida
O brilho que há no olhar de um furacão,
Agora és sombra, pálida e esquecida,
Manchando o livro de minha solidão.
Teu juramento, o eco de uma sala,
Dissipou-se no ar, leve e traidor;
Minha paixão, porém, não se iguala
Às paixões que morrem com favor.
IV
Assim sigo, marcado por um destino
Que não ouso e nem posso compreender;
Um ser incompleto, um projeto divino
Que os deuses, num mau humor, quiseram fazer.
Minha herança é o ódio, a dor, a insônia,
E o ver, na face pálida da Lua,
Não a esperança, mas a mônada fria
De uma verdade que ninguém subjuga.
V
Então venham! Tormentas da noite escura,
Rochas onde o urzal sequer se agarra;
São vossas as feições da minha amargura,
É convosco que minh'alma se declara.
Pois na ruína do que o mundo inveja
—O palácio de um coração fendido —
Encontro, enfim, a liberdade alheia,
E o meu trono, no trono do esquecido.